quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

Deve-se aplaudir a palavra proclamada?


O que você acha? Eu tenho certeza!
Vejamos...
A liturgia eucarística vem sempre precedida de uma liturgia da palavra. Por quê? Qual a razão profunda deste fato e como devemos entender e vivenciar espiritualmente a relação entre estas duas partes da celebração eucarística, a missa? Quais são as conseqüências disso para nossa prática pastoral?
Em algumas comunidades, os seus respectivos pastores, interferem na persuasão da proclamação da palavra, dizem ser bobagem ficar aplaudindo a palavra quando a mesma foi proclamada. Será que a palavra não tem significado persuasivo para a liturgia, para a celebração ou para a eucaristia?
Vamos analisar os dois contextos celebrativos da missa: MESA DA PALAVRA x MESA EUCARISTICA.
A liturgia da Palavra não é um simples preâmbulo ou ‘ante-missa’ como era considerada antes do Concílio Vaticano II. É parte integrante. Fala-se de ‘duas mesas’ onde é distribuído o pão da vida: a mesa da palavra e a mesa do corpo de Cristo: “Espiritualmente alimentada nestas duas mesas, a Igreja, em uma, instrui-se mais, e na outra se santifica mais plenamente; pois na palavra de Deus se anuncia a aliança divina, e na Eucaristia se renova esta mesma aliança nova e eterna. Numa, recorda-se a história da salvação com palavras; na outra, a mesma história se expressa por meio dos sinais sacramentais da Liturgia”[1]
Ora, Sagrada Escritura (principalmente o evangeliário), recebe a mesma veneração que o mistério eucarístico (entrada solene, incensação, beijo do evangeliário, atenção dada à proclamação, aclamação com plamas, etc). Tanto a palavra de Deus quanto o mistério eucarístico são considerados, pela tradição, o corpo de Cristo (Cf. IELM 10). Vejamos dois textos significativos, um de são Jerônimo, outro de Cesário de Arles[2]:
“Eu penso que o Corpo de Cristo é o evangelho e que seus ensinamentos são as sagradas escrituras. Quando, pois, Jesus diz: ‘Quem não come minha carne e não bebe o meu sangue, não tem a vida,’, podemos certamente entender que ele está falando da eucaristia. Mas é certo igualmente que o Corpo de Cristo e seu sangue são a palavra das escrituras, seu divino ensinamento. Quando participamos da celebração da eucaristia, tomamos cuidado para que nenhuma migalha se perca. Quando ouvimos a palavra de Deus, quando a palavra de Deus é dada a nossos ouvidos e nós, então, ficamos pensando em outras coisas, que cuidado tomamos? Alimentamo-nos da carne de Cristo, não somente na eucaristia, mas também na leitura das escrituras.” (São Jerônimo, Comentário sobre o Livro do Eclesiastes)[3].
"Eu lhes pergunto, irmãos e irmãs, digam o que, na opinião de vocês, tem mais valor: a Palavra de Deus ou o Corpo do Cristo? Se quiserem dar a verdadeira resposta, certamente deverão dizer que a palavra de Deus não vale menos que o corpo do Cristo. E por isso, todo o cuidado que tomamos quando nos é dado o corpo do Cristo, para que nenhuma parte escape de nossas mãos e caia por terra, tomemos este mesmo cuidado, para que a palavra de Deus que nos é entregue, não morra em nosso coração enquanto ficamos pensando em outras coisas ou falando de outras coisas; pois aquela pessoa que escuta de maneira negligente a palavra de Deus, não será menos culpada que aquela que, por negligência, permitisse que caia por terra o corpo do Cristo." (Sermo 78,2, Sources Chrétiennes, 330, p. 241).[4]
Então, podemos dizer que a liturgia da palavra e a liturgia eucarística são considerados ‘um só ato de culto’: ”Estão tão intimamente ligadas entre si as duas partes de que se compõe, de algum modo, a missa - a liturgia da Palavra e a liturgia eucarística - que formam um só ato de culto. (SC 56; Cf. IELM 10), é bonita demais a nossa liturgia!
Na missa, a liturgia da palavra é o primeiro elemento: ouvimos a boa nova e as exigências da nova aliança realizada na pessoa de Jesus (leituras bíblicas, homilia). Respondemos com a profissão de fé, assumindo o compromisso de pautar toda a nossa vida na palavra do Senhor, aguardando a plena realização do Reino. E assim a assembléia dos fiéis vai se convertendo cada vez mais em povo da nova aliança (Cf. IELM 45). A liturgia eucarística é o segundo elemento, quando a aliança é renovada, selada, efetivada no memorial da morte-ressurreição de Jesus, com o pão e o vinho que serão repartidos entre todos. Assim o expressa a IELM: “...o anúncio da morte e ressurreição do Senhor e a resposta do povo que escuta se unem inseparavelmente com a própria oblação, pela qual Cristo confirmou com o seu sangue a nova Aliança...(n. 44, citando PO 4). “Na ação litúrgica, a Igreja responde fielmente o mesmo ‘Amém’ que Cristo (...) pronunciou, de uma vez para sempre, ao derramar seu sangue, a fim de selar, com a força de Deus, a nova aliança no Espírito Santo.” (IELM 6). Desta forma, “sempre que a Igreja, congregada pelo Espírito Santo na celebração litúrgica, anuncia e proclama a palavra de Deus com extrema alegria, pois é Deus quem nos fala e a comunidade participante, se reconhece a si mesma como o novo povo, no qual a aliança antigamente travada chega agora à sua plenitude e perfeição.” (IELM 7).
Na liturgia da palavra, todas as leituras bíblicas (assim como todos os acontecimentos de nossa vida pessoal e social) são interpretadas a partir do mistério pascal do Senhor. É que, para nós, cristãos, a história da salvação culmina na pessoa de Jesus Cristo. Por isso, ele é também “o centro e a plenitude de toda a Escritura e de toda a celebração litúrgica” (IELM 5), por isso a palavra precisa ser aclamada, aplaudida, pois é o Pai que se revela no seu filho Jesus pela ação amorosa do Espírito Santo.
Quando nos referimos a Jesus Cristo na liturgia, não estamos lembrando uma pessoa ausente ou um fato do passado apenas; estamos na presença de um vivo: o Ressuscitado. A força e eficácia da liturgia nos vêm desta presença real, atual e atuante de Cristo e de seu Espírito transformador na assembléia litúrgica, tanto na liturgia da palavra, quanto na liturgia eucarística: “Para que possam celebrar vivamente o memorial do Senhor, lembrem-se os fiéis de que a presença de Cristo é uma só, tanto na palavra de Deus, ‘pois quando se lê na Igreja a Sagrada Escritura, é ele quem fala’, como ‘especialmente sob as espécies eucarísticas’ (IELM 46, com citação de SC 7).
No sínodo dos bispos o cardeal Carlo Maria Martini, dizia que: "A Igreja nasce da Palavra de Deus, cujo significado último é o próprio Verbo de Deus e o Verbo encarnado, Jesus Cristo. É a Palavra dos profetas, a Palavra dos apóstolos e, por fim, a Palavra escrita da Bíblia. A Igreja nasce dessa Palavra e, portanto, se renova, se regenera toda vez que retorna a essa Palavra. Em particular, a Palavra da Escritura está nas mãos da Igreja, a fim de que a Igreja recorra a ela amplamente, e a fim de que se renove nesse contato. De fato, a Igreja, continuamente, se renova, bebendo da fonte da Palavra de Deus, assim como se renova nutrindo-se da Eucaristia."
Eu não aplaudo a palavra só porque sou carismático, não existe isso. A Palavra em si é carismática, pois é inspirada e refletida sob a ação do Espírito Santo.
Queridos, concluo dizendo que: A palavra de Deus deve ser motivo de alegria em nossas celebrações, sejam sacramentais ou sacramentos.
Os preceitos de Deus alegram o coração. Eles nos dão alegria. A obediência aos preceitos de Deus produz uma alegria plena em nosso coração. O vazio de nossa vida é preenchido por esta Palavra. Andar em seus caminhos retos nos faz desfrutam de uma vida de alegria com toda nossa disposição. Como um guia que nos educa: a palavra de Deus nos toma pela mão, e nos guia na estrada reta da vida. Leva-nos a desfrutar de uma satisfação moral, de uma paz na consciência, da certeza de ter tido nosso passado perdoado, da confiança de estar no caminho certo no presente, e da esperança de que nosso futuro será glorioso. Isto enche nosso coração de alegria.
Por isso digo que a palavra de Deus deve ser aclamada sempre. É o Pedagogo Deus que nos conduz a verdade.
Viva o Pai, viva o Filho, viva o Espírito que nos inspira e nos ensina. Viva a Trindade Santa. Amém.
Que a alegria do Senhor seja a vossa força!
(Ne 8,10).


Bibliografia:

· BUYST, Ione. A Palavra de Deus na liturgia. 5. ed. São Paulo: Paulinas, 2004. (Col. Rede Celebra, 1).
· Documento Concílio Vaticano II: Sacrossanctum Concilium (Sagrada Liturgia)
· Documento Concílio Vaticano II: Dei Verbum (Palavra de Deus)
· GUIMARÃES, Marcelo Resende. Conversando com os Pais e Mães da Igreja, Petrópolis: Vozes, 1994.
IELM - Introdução geral ao elenco das leituras da missa.
· Documento sobre as Missões: AD Gentes (Para os Povos)
· Instrução Geral do Missal Romano: IGMR





[1] IELM 10; Cf. SC 51; PO 18; AG 6; DV 21; IGMR 8.
[2] Cesário de Arles, ca. 470-543, monge do mosteiro de Lérins (atual França); de 502 a 542, bispo de Arles e um dos maiores pregadores de estilo popular da Igreja latina antiga.
[3] Trad. de Marcelo Resende Guimarães, In: Conversando com os Pais e Mães da Igreja, Petrópolis, Vozes, 1994, pp. 70-71.
[4] BUYST, Ione. A Palavra de Deus na liturgia. 5. ed. São Paulo, Paulinas, 2004. (Col. Rede Celebra, 1), p.19.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Obrigado pela sua contribuição!